Apenas este ano, 1.200 estrangeiros foram cadastrados no Centro de Informações para Migrantes, Refugiados e Apátridas (Ceim) em Curitiba, um serviço do governo do Paraná vinculado à Secretaria de Justiça, Família e Trabalho.
Ali, no 13º do velho edifício Dante Alighieri no centro da capital, todos os dias dezenas de recém-chegados de várias partes do mundo preenchem o ambiente com as mais variadas línguas e sotaques e, principalmente, com esperança. É o “começo do recomeço”.
Em apenas uma hora no Ceim, é possível captar diversas histórias de vida. Tão diferentes e, ao mesmo, bastante iguais. Os desejos ali são muito comuns: conseguir a documentação necessária, arrumar um emprego e, enfim, tocar a vida.
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“A situação política me obrigou a deixar tudo para trás”
A situação política instável e, mais que isso, as ditaduras e o desrespeito às liberdades individuais, têm sido grandes motivadores de correntes migratórias pela América Latina.
Na Venezuela, a crise logo trouxe impactos econômicos e, em seu viés ditatorial, afetou diretamente os direitos individuais dos cidadãos. A desilusão causada pela situação levou o jornalista Juvenal Martinez, de 29 anos, a deixar para trás trabalho, pai, mãe, três irmãos e o namorado. “Foi uma decisão muito difícil, mas a situação política do país me obrigou a deixar tudo para trás, inclusive meu relacionamento”, disse, enquanto buscava atendimento na última quarta-feira (19/06) no Ceim.
Em sua terra natal, Juvenal tinha conseguido consolidar uma carreira na área de comunicação. Trabalhou como relações públicas no Ministério de Finanças, em importantes empresas do ramo metalúrgico e em uma fundação para crianças com deficiências motoras. Os salários recebidos na Venezuela, porém, já não valem de muita coisa. A instabilidade política e a falta de perspectivas foram fundamentais para a decisão.
Por ter amigos em Curitiba, escolheu a capital paranaense para recomeçar a vida. Mas o trajeto até aqui não foi fácil. A começar pela aventura de atravessar a fronteira para entrar no Brasil pela pequena cidade de Pacaraima, em Roraima. Juvenal ao menos havia conseguido juntar algum dinheiro para a jornada – o que não ocorre com a grande maioria. “Todo o trajeto para chegar a Pacaraima é muito cansativo. Há a triagem do Exército, e há muitos venezuelanos idosos, sem dinheiro algum. À noite, os homens não podem ficar nos abrigos – apenas mulheres e crianças. Muitas vezes precisamos ficar debaixo de chuva”.
Em Curitiba, onde chegou há 23 dias, o jornalista parece ter encontrado a certeza de dias melhores. “Estou me sentindo muito bem aqui, a cidade que tem um clima agradável (sua cidade natal, Bolívar, tem temperatura média na casa dos 40 graus). Há muitas pessoas boas e amáveis. Ainda sou muito novo na cidade mas estou gostando muito”, conta.
Graças ao Ceim, Martinez conseguiu gratuitamente reunir todos os documentos solicitados pela empresa onde pleiteia um emprego. “O Centro do Imigrante está sendo muito útil, porque consigo obter informações em relação a meus trâmites como imigrante e também é uma chance de diminuir meus gastos, pois posso fazer cópias e imprimir meus currículos gratuitamente”.
O venezuelano está hospedado na casa dos amigos no Bigorrilho, mas quer logo ter ser seu próprio lar. Para isso, conta com seu bom currículo e uma oportunidade que surgiu. “Consegui uma entrevista de emprego numa empresa que precisa de pessoas que tenham o espanhol como língua materna. Mandei meu currículo e já me chamaram para entrevista. Mas também já percebi que há uma demanda grande para ser professor de espanhol aqui. Estou otimista”, comenta.
Sobre o futuro? “Quero conhecer o amor, casar, ter uma família aqui, como todo ser humano quer”, vislumbra. “E também poder abrir espaço para amigos venezuelanos que estão em busca de uma vida melhor, pois o Brasil é muito acolhedor. E ajudar meus pais na Venezuela, pois eles precisam de muitos remédios que já não se encontram nas farmácias de lá”, finaliza.
O sonho de rever o filho deixado em Cuba
Assim como ocorre na Venezuela, muitos cubanos insatisfeitos com o regime castrista têm migrado em busca de uma nova vida, com garantia de direitos individuais e liberdade de expressão. A “fuga” para os Estados Unidos já um fenômeno histórico e acontece há décadas. Curitiba, porém, é um destino descoberto mais recentemente.
É o caso de Yohana Boza Leon, 29 anos, advogada, que há um ano escolheu Curitiba para viver com seu marido Elesbet Sanches, 37 anos, nutricionista. Para sair de Cuba, tiveram que deixar o filho Kevin, atualmente com quatro anos, morando com o avô. Aqui, tiveram mais um menino: Kelvin, de apenas três meses. Foi em busca de orientações para tirar o passaporte brasileiro do caçula é que ela procurou o Ciem.
Agora, com o nascimento de Kelvin, o casal pode tirar seus vistos permanentes no Brasil e realizar o sonho de trazer para cá também o filho mais velho. “Esperamos até novembro tê-lo aqui conosco”, deseja, ansiosa, a mãe.
Além de trazer o menino, Yohana e Elesbet sonham também em poder atuar nas suas profissões. Atualmente ela está desempregada, e tentará revalidar seu registro profissional para voltar a advogar. Ele é nutricionista, mas está atualmente atuando como assistente de cozinha em um restaurante.
A escolha de Curitiba, porém, é considerada um grande acerto. “Gostamos muito da cidade e de ir aos parques, especialmente o Barigui. É um lugar muito bonito. O Tanguá também”.
Sobre seu país natal, o lamento de quem ama a terra onde nasceu, mas não tolera a falta de liberdade: “Em Cuba não temos direito nenhum. Você não pode enriquecer, pois tudo vai pro governo. Se você tem mais de duas casas, o governo fica com uma. Se você não aceitar participar do grupo político que está no governo, é considerado como antirrevolucionário. Depois da morte de Fidel Castro, a situação apenas piorou, e a crise social também. Não adianta apenas ganhar dinheiro, porque não se consegue comprar comida”, diz. “É triste, porque lá você tem saúde, educação, segurança, mas não tem a mínima liberdade nem uma perspectiva de futuro.”
A esperança de um futuro melhor graças ao bom futebol do filho
O Haiti se transformou em um verdadeiro caos após o grande terremoto de janeiro de 2010. Análises indicam que cerca de três milhões de pessoas foram atingidas pelo sismo, e cerca de 200 mil morreram. Além das vidas perdidas e afetadas, o desastre resultou em danos econômicos que impactam até hoje sobre seus habitantes.
Por isso o país ainda é um dos locais de onde mais saem migrantes em todo o mundo. Em Curitiba, os haitianos lideram as estatísticas de chegada de estrangeiros desde que foi inaugurado o Centro de Informação para Migrantes, Refugiados e Apátridas, em 2016 (apenas esse ano já foram 538).
Diaubon Dhaiti já está em Curitiba há cinco anos. Veio com a família – a esposa Paulette e o filho Kerry, hoje com 12 anos. Nesta quarta-feira, estava no Ceim para levar a conterrânea Cayo Soeulette, chegada em Curitiba há menos de uma semana e que agora inicia o périplo atrás de documentação.
Os haitianos têm passado por maus bocados ao desembarcar por aqui. Após um despachante infestar a praça de documentos falsos que vendia aos migrantes do país como se fossem legais, a Polícia Federal passou a exigir a apresentação de uma certidão consular – que leva em média 90 dias para ser expedida. Nesse período, não há como agilizar documentações ou fazer encaminhamento para emprego, por exemplo. E é preciso contar com a ajuda dos colegas que já estão instalados na cidade.
Diaubon já tem seus documentos e está legal no país, mas agora enfrenta outro mal: o desemprego. Apesar disso, gosta de Curitiba e nem pensa em voltar um dia para o Haiti. “Tudo acabou após o terremoto. Não há trabalho. Não há como viver”, lamenta. Em território brasileiro, a esperança vem pelos pés e pela cabeça do filho Kerry: ao se destacar numa escolinha de futebol, os dirigentes o encaminharam para o colégio Adventista – que ofereceu uma bolsa de estudos integral para que ele jogue pelo time da instituição. “É bom jogador e bom aluno. Sei que terá um bom futuro”, sorri. “A cada jogo dele, é um gol marcado”.